Conheci o Neil em 68,
aquele ano que não terminou. Ele trabalhava na Standard Propaganda e eu, na revista Veja. Começou então uma conversa que continuou até novembro de 2017, quando ele nos deixou.
Gostávamos dos mesmos livros, filmes, restaurantes, músicas. Moramos num pequeno apartamento no bairro de Santa Cecília enquanto o arquiteto Ennes Silveira de Mello e sua mulher, Edla Van Steen erguiam uma casa muito linda na Granja Vianna. Ali ficamos até 1986 e, em seguida, outra casa no mesmo bairro.
Nesse tempo todo o Neil trabalhou em várias agências de publicidade. Depois da Standard, Norton, SGB, P.A. Nascimento, Salles e, claro, DPZ.
Quase um workaholic, Neil produziu muito, sentia muito orgulho de seu trabalho. Acontece que não gostava de guardar nada. Sempre se preocupava com o próximo problema. O que foi feito ontem já era passado.
O tempo passou voando.
Criamos dois filhos que nos deram quatro netos adoráveis.
Eu nunca fui muito organizada, mas, mesmo assim, conservei alguma coisa. Claro, não havia computadores, as peças impressas eram as mais importantes.
Muito cedo, a meu ver, Neil se afastou da Publicidade. Sentiu que já não se privilegiava tanto a criatividade e a irreverência que eram sua marca. Frequentemente, o anunciante morria de medo de colocar a verba numa campanha audaciosa, ousada, e preferia a zona de conforto da mediocridade. Entretanto, Neil nunca foi irresponsável nem sacrificava um bom resultado em troca de uma “sacada” ou, como se diz hoje, uma “lacração”. Eu dizia que ele era dilacerado porque a cabeça voava, mas os pés sempre estavam fincados no chão. Por isso o Jarbas de Souza, da equipe dos Subversivos, sempre chamava a atenção do Neil quando as ideias eram muito exageradas: “Põe chumbo na mão, turco!”.
O mundo mudou com a chegada da Internet. A mídia impressa está em franca decadência. Computadores criam efeitos super especiais. Papeis, que guardei por anos e que resistiram a mudanças e tentativas de diminuir o volume que abarrotava gavetas e pastas, começaram a amarelar e deteriorar.
Resolvi digitalizar o que fosse possível. Comecei pelas divertidas crônicas que Neil escrevia semanalmente para o “Diário do Comércio”, então dirigido por nosso grande amigo Moises Rabinovici. Para muitos os assuntos estão datados porque se referiam a temas pertinentes para aquele momento. Mesmo assim penso que dão uma ideia de quanto o Neil se sentia livre naquele espaço.
Depois, com a ajuda inestimável de minha sobrinha, a museóloga Denise Lorch, tentamos reunir anúncios, textos, fotos que ajudassem a entender o que foi que fez do Neil um publicitário tão conhecido. Recentemente, meu sobrinho Cassiano Elek Machado, jornalista e editor, não soube explicar a um amigo quem tinha sido Neil Ferreira. Para ele era o tio Neil das reuniões de família e das férias junto aos primos.
Acabei optando por um site para documentar o acervo. Pretendo incluir mais peças com a ajuda de amigos.
Como sempre se diz, o Diabo reside nos detalhes. Não foi fácil conseguir as fichas técnicas. Sei que a criação de uma peça publicitária é o resultado de um trabalho de equipe. Dos muitos palpites que surgem, um caminho é escolhido. Outro desenvolve a ideia. O anunciante aprova ou não. Nos anuários a informação é reduzida para o nome do Diretor de Criação. Assim é feita a História, baseada nos documentos encontrados ou à disposição. Sei também que o Neil tinha total segurança em relação a seu critério de escolha. Ele se orgulhava muito de ter recebido lições inestimáveis de seu guru – Júlio Cosi Jr., Master Júlio, que mostrava, ainda nos tempos da Standard, a diferença entre o bom e o mau texto. Indicava livros e revistas que mostravam a excelente propaganda que era feita no exterior. Mais tarde, na DPZ, o longo convívio com José Zaragoza proporcionou para Neil um verdadeiro curso de estilo e bom gosto.
Espero que este site mostre um pouco do que o Neil produziu. Temos um espaço para quem quiser colocar alguma informação. Como o ano de 68, o site é uma obra aberta para quem quiser participar.
Eliana Machado Ferreira,
Janeiro de 2024