Roberto Duailibi

Neil Ferreira, provocador

Neil e eu fomos grandes amigos por décadas, ou porque trabalhávamos juntos ou porque ele namorava minha irmã, Sonia Maria, por nove anos. Neste tempo acumularam-se muitas histórias.

Neil era um jovem de estatura mediana, muito magro, de pele azeitonada com olhos castanhos e cabelos despenteados, que não se vestia com muito apuro. Seu nome verdadeiro era Neil Haddad, mas ele nunca falou nada sobre seus pais e sua infância na cidade de Cerqueira Cesar, perto de Avaré. “Haddad” em árabe significa “ferreiro” e muitos imigrantes com esse sobrenome aportuguesaram-no para “Ferreira”.

Apesar de ser conhecido como socialista empedernido, desfilou por algum tempo pelas ruas de São Paulo dentro de um Moretti, um carro conversível vermelho de fabricação italiana.

Panfletário, mas nunca pertenceu a nenhum partido político.

Sabia chamar a atenção. Estava sempre sorrindo, era cheio de alegria e muito agitado. Pão duro como ninguém. Por anos almoçou na casa de minha mãe diariamente, na rua Eça de Queiroz, sob a desculpa de fazer economia para comprar um apartamento que estava em construção na Alameda Casa Branca – apartamento que nunca comprou. Mas minha mãe adorava ter a mesa cheia de amigos dos filhos, então Neil era sempre bem recebido.

Era ao mesmo tempo um chato e um provocador, a tal ponto que se tornava divertido e simpático com quem conversava.

Em meados dos anos 1960 eu trabalhava na Standard Propaganda, que ocupava um prédio inteiro na praça Roosevelt, o coração da elegância paulistana. A sede da agência era no Rio de Janeiro. Foi uma época gloriosa.

Pela agência circulavam Said Farhat, Júlio Cosi Jr., Milton Luz, Licinio Neves Tavares de Almeida, um diretor de arte português muito culto e elegante.

Naquele tempo ainda não havia televisão colorida e nem os recursos técnicos para fazer comerciais gravados, então a publicidade era principalmente veiculada em jornais, revistas, nas emissoras de rádios, em outdoors e em cartazes.

O principal cliente da Standard era a Shell, que imprimia suas peças publicitárias numa oficina de cartazes de cinema, em Madureira, no Rio. Um belo dia, por mero acaso, o diretor da Standard, Cícero Leuenroth, descobriu esta oficina e o contrato que ela tinha com a Shell. Resultado: comprou a oficina e ficou com a conta da Shell. Golpes de sorte como este aconteciam.

Naquele tempo o jeans não era usado no Brasil; era tido como roupa de agricultor americano – e ninguém queria parecer gringo por aqui: o sentimento anti-americano era muito forte. Mas Hans Berg que era o principal comprador de produtos da Sears Roebuck, convenceu a Alpargatas a confeccionar calças de brim azul que foram apelidadas de calças Rancheiro.

Os trabalhadores rurais brasileiros só usavam calça de tecido branco de algodão para poder remover os carrapichos que se agarravam ao tecido, portanto a cor azul não era propicia a essa limpeza. Para promover as calças Rancheiro, o sr. Berg contratou um ídolo do cinema americano, Roy Rogers, que desembarcou no Brasil com seu cavalo branco, para um show no Pacaembu. Esperava-se umas 5 mil pessoas – mas, surpresa! – o estádio ficou completamente lotado em seus 60 mil lugares. (Provavelmente o primeiro grande show em estádio realizado no Brasil), e conseguiu a proeza de tornar a calça rancheiro uma moda entre os jovens urbanos.

A  Standard Propaganda também tinha a conta da Rhodia, fabricante de fios sintéticos, que não dispunha de dinheiro para publicidade. Os fios sintéticos eram vendidos para as tecelagens como uma alternativa mais barata aos fios naturais.. Seu único anúncio trazia a ilustração de um fio e o título criado por Ernâni Donato, “O fio de Ariadne”, sem fazer referência a roupas e tecidos.

Como a Rhodia era um cliente sem dinheiro, o diretor da Standard em São Paulo, Said Farhat, mandou o gerente de propaganda da Rhodia, um jovem ator de teatro infantil chamado Lívio Rangan, ser atendido pelo gerente de departamento de outdoor, Renato Rosa. Como Renato não entendia nada de propaganda, veio me procurar com um pedido de socorro. Até ali, nenhuma propaganda da Rhodia havia sequer sugerido que seus fios serviam para fazer tecidos e, portanto, roupas. Então a ideia era convencer Dener, o estilista mais badalado do país, a confeccionar modelos com os tecidos feitos com os fios sintéticos da Rhodia. Dener desprezou os tecidos, mas topou o desafio – mesmo com pouco cachê na jogada.

Mas antes disso tínhamos de convencer algumas tecelagens a confeccionar tecidos estampados. O pai do Guilherme Afif Domingos ensinava, “Fabricar tecido branco é ouro; fabricar tecido colorido é prata; fabricar tecido estampado é merda”.

Lembro-me até hoje da entrevista que fiz com Denner em seu atelier na Avenida Paulista.

As roupas ficaram maravilhosas, buscamos quatro manequins belíssimas e contratamos o fotógrafo Otto Stupakoff, um verdadeiro artista, para registrar as moças vestidas com roupas com a marca de Dener associada à da Rhodia. Pensávamos, então, em publicar as fotos em jornais, como press release, mas o grupo Manchete estava chegando em São Paulo e quando Roberto Vasconcelos, o gerente carioca da revista, viu as fotos não pensou duas vezes: fez com que elas fossem publicadas em cinco páginas de uma de suas publicações.

A partir daí foi só alegria.

Tivemos a idéia de criar coleções e fotografá-las em paisagens brasileiras, Rio, Ouro Preto, cataratas do Iguaçu. Promovemos desfiles no Brasil e no exterior. Participamos da primeira Fenit (Feira Nacional da Indústria Textil) no Ibirapuera – onde, houve um show de uma garotinha que tocava violão com a turma perto de casa da rua Eça de Queiroz, na Vila Mariana… Rita Lee, lindinha, que fez o maior sucesso.

Bem, mas o trabalho para a Rhodia estava se tornando mais e mais pesado, e eu pensei em contratar um redator. Minha primeira opção foi convidar Jorge Ferreira, jornalista respeitado dos Diários Associados. Mas ele não se interessou em ingressar no mundo da publicidade. Sugeriu o nome de seu sobrinho, que recém ingressara nos Diários vindo de Cerqueira César – Neil Ferreira. Assim, Neil foi contratado como redator da Standard e milagrosamente deu-se muito bem com o Lívio Rangan. A partir de então acompanhou todas as peripécias que fizemos para difundir a marca no país.

Com o tempo, também Clodovil, que iniciava sua carreira de estilista, passou a produzir peças de roupas femininas feitas com fios sintéticos da Rhodia. Stupakoff, dono de um talento fora do comum e de um bom gosto excepcional, fotografou nossas modelos em Ouro Preto, posando em cima dos telhados. Depois em Foz do Iguaçu. E a coisa foi num crescendo tamanho que chegamos a alugar uma casa na Avenida Brasil onde oferecíamos cursos para estilistas. Nossas manequins foram o primeiro grupo reconhecido como modelos profissionais no país. E a Rhodia passou a ser conhecida e associada a roupa de qualidade.

Roberto Duailibi

Tínhamos um diretor de arte talentosíssimo, o português Licínio Neves Tavares de Almeida, pessoa de fino humor, que provocava a mim e a Neil quando passávamos por ele. Puxava uma espada imaginária e bradava o mote dos portugueses contra os mouros no século VIII: “Por Santiago e Rei Afonso!”. Ao que nós respondíamos: “Allahu Akbar!”,, cujo significado é “Deus é o maior”.

Uma vez recebemos um empresário que nos dizia já ter tentado o ramo do cimento, mas não ter ido bem; ter comprado uma tecelagem que não vingou, pois ele não entendia nada do negócio; depois ter experimentado uma fazenda para criação de gado leiteiro, que foi a bancarrota por causa de uma doença que atingiu os animais. Neil escutava com atenção. Quando o cliente se calou, Neil atacou: “Além de perder dinheiro, o que mais vocês sabem fazer?”.

Em março de 1964, quando houve a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, subimos os primeiros degraus de um prédio na Rua Sete de Abril para assistir à parada. Quando passava um grupo de meninas arrumadinhas, guiadas pelas freiras do Colégio Sion, Neil não perdeu a oportunidade: “Ei meninas! Eu sou comunista! Venham me converter, eu sou comunista!” ele gritava pra horror das freiras.

Em 1 de abril de 1964, um grupo de partidários de Leonel Brizola estava na praça Roosevelt afim de protestar contra o golpe. A rádio “Rede da Legalidade” bradava que havia ali uma multidão revoltosa. (Devia ter umas 30 pessoas). A Standard ficava exatamente na praça, então chegamos à janela para ver o que acontecia – e vimos meia dúzia de gatos pingados que nem barulho faziam. Neil não perdeu tempo: ligou para a rádio de Brizola, a Rede da Legalidade, que fora formada nos porões do Palácio Piratini, no Rio Grande do Sul, e aconselhou: “Mandem mais 10 gaúchos para engrossar o protesto porque a coisa aqui está fraca”.

Certa feita contratamos na Standard um redator um pouco mais velho do que nós, e muito famoso, Sergio Toni. Tinha uma voz tonitroante e era conhecido por saber vender bem suas campanhas. Ganhou imediatamente uma sala. Devido ao volume de trabalho, estávamos acostumados com agilidade: eu e Neil recebíamos um envelope com uma demanda de campanha, um prazo apertado para entregar os textos e logo entregávamos o serviço. Toni recebeu seu primeiro pedido de campanha e trancou-se em sua sala. Passou uma semana e a agência toda na expectativa “O Sérgio está pensando”. “Vem coisa boa aí”. Duas semanas depois ele entrega o texto – com um pequeno erro de português no título. Neil, com a melhor das boas intenções, apontou a falha. Sergio Toni ficou indignado. Com seu vozeirão, gritava “Meu nome é Sérgio Toni! Sér-gio To-ni”! “Como um caipirinha de Cerqueira César ousa corrigir Sergio Toni?”. Pediu demissão imediatamente. O caipirinha de Cerqueira Cesar ficou encarregado de terminar o serviço.

Houve outra passagem inesquecível que aconteceu quando já estávamos na DPZ. Estávamos solicitando a conta do uma famosa marca de hamburguer, que tinha uma filial ao lado do Mackenzie. Marcamos uma reunião com o cliente, um americano simpático, veterano de guerra com o braço esquerdo amputado. Ele era também o CEO das rações Purina. Esperávamos o gerente de propaganda do Rio de Janeiro, Juan Vicente. Na época eu criava cães da raça doberman, e enquanto esperávamos o Juan conversávamos sobre alimentação animal. Juan chegou atrasado com a desculpa de que estava almoçando numa das filiais da casa de hambúrguer do cliente. Neil disse com a maior naturalidade: “Nós aqui falando de comida de cachorro e você comendo comida de cachorro!”

Ele era provocador assim, e tinha manias. Uma época, por exemplo, resolveu virar macrobiótico – e nos almoços, a cada garfada, mastigava 40 vezes. Ninguém aguentava ver aquilo. Um almoço demorava duas horas.

Na DPZ Neil fazia parceria com Zaragoza e os dois se davam muito bem. Mas um dia se desentenderam e Neil, indignado, pediu demissão. Então Zaragoza fez publicar nos jornais uma nota: “Neil, queridinho! Volte pra casa. Tudo está perdoado.” Neil voltou.

Quem não gostou foi o Washington Olivetto e o Petit, que viam no Neil um rival talentoso e sarcástico. Pouca gente sabe que essa era uma característica da DPZ: cada andar tinha uma dupla: no quinto, Petit e Washington; no sexto, Zaragoza e Neil; no sétimo, eu e o Murilo Felisberto. O Neil dizia que quando um andar perdia uma conta, o cliente não saia porque era atendido por uma das outras “agencias”. E assim chegamos a ser a maior agência do Brasil. De cada andar sairam grandes idéias. Do Neil podemos falar ainda da Morte do Orelhão (para a Telesp), do Baixinho da Kaiser, do menino passando a mão sobre o presunto Sadia. Cada uma dessas campanhas merece uma história à parte.

E cada andar, se tivesse uma boa idéia para um cliente de outro andar, sentia-se livre para apresentá-la. Apesar das rivalidades, havia respeito mútuo.

Nessa época sai dali uma oportunidade provocadora. O cliente era o governo Figueiredo, mais exatamente a Receita Federal, que precisava divulgar o Imposto de Renda como algo sério para a população. Para provocar o governo, Neil apareceu com a idéia do leão, uma proposta apresentada como denúncia, ou como ameaça, para ser recusada.

Como eu concordava com a tese, fiquei, como sempre, de apresentar para o cliente, já sabendo que a idéia seria recusada. Mas milagres acontecem. Apresentei a campanha para o gerente de comunicação da Receita, Claudio Borges, que era muito amigo meu e ex-aluno da ESPM, onde nos conhecemos. Surpreendentemente, ele aprovou. Fomos apresentar a campanha para Francisco Dornelles, secretário da Receita, que, para minha surpresa, aprovou também. Finalmente para o Ministro Karlos Rischbieter, ministro da Fazenda do governo João Figueiredo, que gostou da ideia.

O que era para ser uma denúncia se transformou num símbolo. Na época eu atribui esss aprovações ao fato de que Claudio Borges, Francisco Dornelles e Karlos Richbieter eram carecas e a juba do leão era para eles uma compensação.
Aí começa uma epopéia. O produtor Andrés Buscovinsky foi buscar um leão velho de circo para filmar o anúncio – com a equipe de filmagem numa jaula, enquanto o leão e o domador ficaram livres no picadeiro pela primeira vez. O domador morria de medo.

Sugeri que a equipe de filmagem, Neil principalmente, ficasse presa para sempre na jaula.

A campanha foi um sucesso e os circos do país passaram a anunciar que tinham em seu elenco o Leão do Imposto de Renda – personagem que durou muito tempo, querido e ao mesmo tempo temido por todos, criação de Neil, o comunista.

Roberto Duailibi
Publicitário, escritor,  membro da Academia Paulista de Letras

Fre Zaragoza

O Neil sempre foi muito
gentil comigo.

E engraçado. Tive uma pequena agência chamada Fre&Fre e fizemos anúncios juntos. Privilégio e sorte de tê-lo como redator. Fizemos um anúncio para a Veja do lançamento do banco São Jorge. Saímos do cliente na avenida Paulista de helicóptero para conhecer o patrimônio que era uma distribuidora de farinha de trigo em
Santo André.

Ele quase teve um treco na decolagem do último andar. Como ele não esperava por isso imaginem a expressão dele. Inesquecível. Sempre nos víamos em Paris junto ao meu pai e ao uísque irlandês. Sempre de bom humor. Alto astral e humilde.

Sinto falta dele e nunca o esquecerei. Muitos prêmios, risadas e caráter.

Fre e seu neto Theo.

Graaaaaande Neil, obrigado por tudo.

João Meirelles

Moisés Rabinovici indicou para mim os nomes de Rodrigo Mesquita e João Meirelles para escrever um depoimento sobre atuação do Neil na campanha publicitária da Fundação SOS Mata Atlântica. Fui logo atendida pelo João, que mandou um lindo texto com imagens de anúncios e uma foto em que ele aparece, aos 27 anos, em frente a um outdoor da campanha. Hoje o João dirige o Instituto Peabiru, sediado no Pará cuja missão é fomentar o protagonismo de grupos sociais da Amazônia para a promoção do pleno acesso aos seus direitos fundamentais.

EMF

Depoimento sobre a identidade visual da Fundação SOS Mata Atlântica

Em 1986, a convite de Rodrigo Mesquita, que assumiu a presidência da Fundação SOS Mata Atlântica, na medida que Fábio Feldman saíra como candidato a deputado federal, tornei-me vice-presidente da entidade no lugar de Roberto Klabin. Um dos primeiros trabalhos em que me engajei foi a busca de uma identidade visual para que a SOS se apresentasse à sociedade e levasse adiante as campanhas de mobilização da opinião pública que pretendia. A proposta foi convidar uma grande agência de publicidade para liderar o processo de comunicação visual e mobilização de parceiros. Assim, Rodrigo Mesquita e eu procuramos o Roberto Duailibi, da agência de publicidade DPZ e ele prontamente abraçou a causa envolvendo gratuitamente a sua equipe. Para criar a identidade visual e a campanha da nova entidade ambientalista Roberto destacou Neil Ferreira e sua equipe.

Em poucas semanas fomos chamados à DPZ e Neil nos apresentou a proposta
de logotipo para a SOS – a bandeira do Brasil com parte do verde rasgado; e, em
lugar das palavras “ordem e progresso”, o mote da entidade – “SOS Mata Atlântica”; e, um slogan para a campanha “Estão tirando o verde da nossa terra”.

A proposta foi aprovada com entusiasmo pelo conselho da SOS e Neil e sua
equipe prepararam as peças da campanha nas diferentes mídias – papelaria,
folhetos, anúncios para outdoor, anúncios para televisão etc.

Para apoiar a captação de recursos iniciamos a produção e comercialização
de camisetas. Em poucos meses estávamos vendendo 40 mil unidades e,
novamente, recorremos à DPZ, que nos apresentou a Hering, a maior fabricante de camisetas do Brasil, para o licenciamento da marca da SOS. Nos dois anos de
campanha com a Hering foram confeccionados 49 modelos, vendendo-se uma cifra superior a 650 mil camisetas. O logotipo de Neil foi tão marcante, que 34% das camisetas (225 mil unidades) foram do modelo em branco com o logotipo da SOS Mata Atlântica

Quem acompanhou a campanha publicitária da SOS entre 1987 e 1988, há
quase quarenta anos, em que centenas de meios de comunicação se envolveram,
graças ao empenho de Rodrigo Mesquita, bem se recorda do impacto que a campanha teve, com um logotipo tão assertivo e pungente, na população brasileira.

Além do apoio das federações do comércio e indústria, Rodrigo conseguiu amealhar o apoio dos fornecedores da DPZ, das associações que representavam empresas de rádio, televisão, jornais e publicidade, resultando na maior campanha ambientalista da história do Brasil, apoiada voluntariamente pelas 7 emissoras de televisão aberta, mais de 200 rádios, 110 jornais, 80 revistas, além de 50 outdoors em São Paulo. E, isso num momento em que não existia a tv por assinatura, as mídias sociais e a internet dava os seus primeiros passos.

Se essa campanha fosse paga, somaria pelo menos três milhões de dólares
norte-americanos, algo hoje próximo a R$ 16 milhões. Rodrigo trabalhava a nível
institucional e eu fazia o acompanhamento das empresas de mídia. Foram
distribuídos, ainda, mais de 50 mil adesivos Brasil afora, amplamente utilizados em veículos além de milhares de folhetos, bottons e cartazes e enviadas 20 mil malas diretas.

Neil nos deu esta enorme e amorosa lição – e que carrego em minha vida de
dirigente de organizações socioambientalistas –, a de contar com empresas e
profissionais do design e da publicidade para que as causas da sociedade sejam
comunicadas de forma clara e contundente.

O Brasil descobriu que 60% de sua população vivia sobre os escombros do
bioma Mata Atlântica, e que era urgente proteger os menos de 10% que restavam.
Obrigado Roberto Dualibi e Neil Ferreira e toda a equipe da DPZ e dos meios
de comunicação que contribuíram para a visibilidade e a urgência de conservar a
Mata Atlântica.

João Meirelles Filho

Ercílio Tranjan

Neil, a marca.

Nós, profissionais de criação de propaganda que nos autointitulamos criativos, estamos sempre à procura da slogan, da palavra-chave, daquilo que sintetiza o diferencial de uma marca, de um produto, de uma. empresa, de uma pessoa. Em poucas palavras, a marca da marca. E quando chegamos lá, orgulhosamente nos
tornamos “o autor”.

E foi atrás desse slogan e dessa palavra, da marca do Neil, do que ele representou no mundo da propaganda, que eu acabei chegando lá.

Cheguei no anúncio que o Neil criou na Norton, e para a Norton, agência de publicidade onde ele era o diretor de criação. Na foto, lá estava a fantástica equipe de criação que ele montara, Neil à frente. E o título: “Os subversivos”.

Essa era uma palavra forte e cheia de significados em tempos de ditadura.

Traduzia à perfeição o que o Neil representava: a ousadia, a inovação, ir contra a tradição, o de sempre, enfim, romper com as “ditaduras”. Subversão pura.

Então, pensei que, por mais que eu tentasse, não chegaria nunca a um slogan tão definitivo e tão verdadeiro:

Neil, o subversivo.

Assim, resolvi copiá-lo.

Mais uma vez, o Neil tinha chegado na frente.

Ercílio Tranjan
Publicitário

Alexandre Machado

De cara, duas coisas me ligaram ao Neil: o amor à minha irmã
Eliana e ao São Paulo.

O casal Eliana/Neil foi um sucesso; alias continua a mesma paixão após sua saída de cena.

Já a sua relação com o São Paulo F.C. foi antes de tudo emocional. Uma relação de amor total mas cheio de desconfianças com os “inimigos”.

É que Neil cruzava seu passionalismo com toques de humor muito peculiares. Seus exageros e espírito crítico serviam como temperos para seus textos geniais na publicidade onde sobressaíam uma inteligência brilhante e aguda.

Esse passionalismo também temperava o amor pelo São Paulo. Meio galhofeiro, meio a sério, Neil sempre enxergava alguma conspiração. Eram todos contra o tricolor:

Sempre alguém estava tramando algo contra o São Paulo.

Especialmente o Corinthians, principal adversário. : “hoje vamos arrasar ‘us’ preto” dizia brincando. Atenção: era brincadeira mesmo, Neil definitivamente não era preconceituoso.

Fanático pelo São Paulo passou o privilégio de ser são paulino para o filho Zé Bento que por sua vez lhe deu um neto chamado Luis Fabiano, nome de um dos maiores centro-avantes que já se viu—apelidado pela torcida são paulina de Luis Fabuloso.

Publicitário consagrado, “gênio” da profissão, o sucesso tinha a ver com uma rotina de trabalho impressionante. Quando ainda estava na DPZ me contou que fazia todos os dias um texto para cada cliente; quando chegava a hora de uma campanha ele já partia com uma pasta cheia de idéias.

Alexandre e Neil

Outra razão para tanto sucesso era o amor pelo cinema. Neil dormia pouco. Lembro de uma conversa em que ele contava ter a mesma insônia do Fidel Castro.

Todas as noites , durante a insônia, assistia um filme. Essa era outra marca pessoal/profissional do Neil. Uma cultura cinematográfica impressionante a completar seu perfil de profissional. Além do domínio do texto essa proximidade com o cinema era parte de sua criação junto a profissionais como o seu querido amigo , diretor de cinema Júlio Xavier da Silveira.

Neil também partilhava comigo lembranças de seu início de carreira como jornalista.

Nós dois trabalhamos nos Diários Associados , grupo que nas décadas de 1950 e 1960 tinham um tamanho parecido com que mais adiante conformou a Globo.

Só que os Diários tinham uma administração caótica. O cotidiano parecia uma chanchada permanente. Assunto não faltava. Também a política merecia do Neil posições candentes.

Não é o caso de mencionar aqui as suas preferências mas como sou jornalista o debate político era motivo de arrebatadas avaliações do Neil; arrebatadas, inteligentes e agudas.

Na verdade, meu cunhado tão emocional e apaixonado era ainda mais emocional e apaixonado quando se tratava de seu núcleo familiar.

Eliana, sua companheira de vida, seus filhos e seus netos.

Alexandre Machado
Jornalista

Joca Benavent

“Querida”,”Jorgete”,

esses eram alguns dos termos carinhosos com os quais ele me chamava. Pra falar do Neil preciso contar um pouco da minha relação com ele nos 14 anos que dividimos o 6°andar da DPZ.

Em 1977 eu,  com apenas dezessete anos, resolvi levar meu portfólio para o Zaragoza.ver. Depois  de um mês de tentativa, entre marca e desmarca entrevista,  Maria José a “poderosa” secretária,  muito educada,  dizia  que “eles” tinham ido para o Rio de Janeiro levar uma campanha, que o Zaragoza não tinha voltado do Guarujá , etc  , etc, etc. Até que, finalmente, acabei  sendo recebido pela maior dupla que a propaganda já criou: José Zaragoza e Neil Ferreira.

Zaragoza amou meu trabalho de cara. Eu havia feito algumas produções para o fotógrafo Luiz Tripolli,  outro super star da época.

Modéstia à parte, tenho uma caligrafia muito boa, e na época o Zaragoza estava criando a Papier  , uma papelaria maravilhosa, com cartões personalizados, enfim era a mais chic do mercado.   A  única!

Um caderno com uns layouts da moda, perfumes , uns desenhos a lápis…  Ele foi vendo um por um e pediu para que o Neil desse uma olhada. O Neil também olhou um por um, me encarando sem falar nada, só olhava pra mim e para o portfólio. E aí ele sai com essa:  “Zara temos que mandar atropelar esse cara!”  Na hora quis morrer, depois vim entender o significado. Estava contratado!
 
Minha felicidade foi enorme  .  Não esperava isso, muito menos ser assistente pessoal do Zaragoza.

Aí, meu mundo mudou do dia pra noite. Ver como eles trabalhavam era uma escola! Neil recebia o Briefing , (e havia muitos na sua mesa), e daí a mágica começava.  O Zaragoza já pedia para que eu, a partir de um “rough” encontrasse uma foto na biblioteca do 7°andar que traduzisse aquele desenho feito com caneta futura, com pincel mergulhado na água… . Depois a foto, montada num papel  , pedia os guaches e as anilinas. E a mágica se tornava real, transformando totalmente a imagem, criando um layout espetacular. Depois  vinham o título e o texto do Neil  . Muitas vezes o  Zaragoza pedia para diminuir ou aumentar,  para  que o layout saísse do jeito que ele queria. O Neil ficava puto, mas obedecia ao “mestre” como ele o chamava (às vezes,  para os mais íntimos,  de “a veia”.)
 
Ano após ano,  foram sendo criadas as campanhas mais ousadas da propaganda brasileira. Comecei a me destacar nas contas com as quais eu mais me identificava. Sempre com muito sexo nas entrelinhas.

Equipe DPZ

Para Hering, por exemplo,  a linha de underwear,  os modelos estavam com ereção!!!  Para o café Caboclo ,  o “Caboclinho gostoso” , um modelo super sensual. Para toalhas Artex, um grupo de homens lindos numa sauna.  E para concluir, a campanha para a perfumaria Rastro “contatos irresistíveis de 1º, 2º ou qualquer outro grau”. Homem com homem, mulher com mulher, filho e mãe, (eu fui o filho Édipo,  e Jocasta a Karen Rodrigues).A campanha era tão grande e tão luxuosa que foi parar no Museu de Arte de São Paulo, o MASP. Um escândalo! Eu escolhia tudo: o cenário, os modelos, os figurinos, as locações. Tinha carta branca, pois eles confiavam em mim. E o Neil amava, pois estava vendo as suas criações saindo da sua cabeça para a Olivetti, de um jeito esplendoroso. . Eram as criações com as quais  eles mais se divertiam,  pois os demais clientes eram de um perfil mais austero:  Receita Federal, Telesp, Johnson & Johnson, etc.
 
Era um prazer ir trabalhar das 8 da manhã, até sabe-se lá  que horas ,  pois não dava vontade de fazer mais nada a não ser esperar para comemorar com fogos  e muita champagne a aprovação das campanhas,  90% delas eram.
 
Foram anos maravilhosos que passamos juntos. Saí da DPZ para,  junto com minha irmã Loly , (a “cunhada” como ele carinhosamente a chamava), criar a  Trash Chic ,  a qual  tenho até hoje. Um Second Hand de luxo, muito antes dessa febre de consumo inconsciente. Ela existe há 30 anos e agora o destino me trouxe de volta onde tudo começou, na Rua Gumercindo Saraiva. Onde Infelizmente existia o prédio da DPZ, que foi demolido para dar lugar a um complexo imobiliário de alto padrão.
 
A DPZ foi um luxo pra mim. Devo muito ao Neil por esses 14 anos que convivemos diariamente. Eram outros tempos. Maravilhosos!A última vez que vi o Neil foi no seu velório. Não pude deixar de falar,
– Querida vou sentir saudades!

Joca Benavent

Zezé Schmitz

Sempre me lembro com saudades do Neil.

Foi um grande diretor de criação na DPZ e o relacionamento dele com o sr. Zaragoza era ótimo. Tão bom que fizeram anúncios e comerciais inesquecíveis. Eram grandes amigos. Parecia que adivinhava o pensamento do outro quando estavam criando.

Lembro-me como comemoravam quando o cliente aprovava o trabalho.
Quando comecei a trabalhar na DPZ, lembro-me que os dois chegaram a fazer a maior festa porque havia aprovado um comercial e o Neil se jogou – literalmente- no chão. Levei o maior susto. Só depois me acostumei com aquelas comemorações loucas. Era uma festa só.

Equipe DPZ

O Neil deixou grandes amigos como o Nelo, o Flávio Conti, o Negrini e muitos outros.

Tenho muito boas lembranças dele e muita saudade também.

Zezé Schmitz
Secretária por 37 anos do Zaragoza

 

Rose Gobbi

Eu fui durante muito tempo locutora da Radio Eldorado FM.

Costumava abrir as manhãs da Radio, fazendo um programa chamado Sunrise.

Diariamente às seis da manhã, levava aos ouvintes madrugadores como eu, o melhor em matéria de rock dos anos 60 e 70.

Era incrível fazer a programação na hora e contar com as opiniões dos ouvintes. Eles pediam por telefone e muitas vezes por fax e eu atendia. Certa manhã, recebo uma ligação que me deixou sem palavras! Do outro lado da linha, um ouvintes simpático pra caramba, começou a falar sobre a música que eu estava tocando naquele momento: Bob Dylan, Hurricane.

Ele falava e eu ouvia ao fundo a música tocando no rádio do carro dele, enquanto conversávamos sobre toda a história que envolvia aquela canção. Batemos um longo papo e ao término da conversa, eu perguntei: Mas qual é mesmo o seu nome? ” Meu nome é Neil, Neil Ferreira.

Os dias iam passando e esse tal de Neil participava quase que diariamente, sempre muito colaborativo e falando das canções que eu tocava sempre de forma muito apaixonada.Eu conseguia perceber o quanto aquilo mexia com ele. Certa vez, logo cedinho, recebo uma ligação da portaria da rádio.
Rose, tem um senhor aqui dizendo ser seu ouvinte e quer te dar um abraço. 
Como eu sempre amei falar com meus ouvintes, liberei a entrada no estúdio da rádio.

Entra um cara de cabelos grisalhos de sorriso aberto, e não me recordo sinceramente se a filha estava com ele. Ele se apresenta… Oi Rose, eu sou aquele ouvinte que ligou a primeira vez pra falar do Bob Dylan, Neil Ferreira lembra?

Mas é lógico que me lembrei na hora. Começamos a conversar e ele me disse algo que ficou pra sempre na minha memoria e na historia do programa.
Estas foram as palavras dele que me marcaram muito:
”Rose, eu vim aqui pra te dar um abraço e agradecer pelo que você nos proporciona todas as manhãs.

Você não tem ideia de como sua voz no radio e as musicas que toca nos fazem felizes.

É através do seu programa que intensifico a relação entre pai e filha. Levando a Ju pra escola e te ouvindo, me aproximo ainda mais dela. A gente troca informações, eu conto as historias por trás dos clássicos do rock que você toca e sinceramente isso trouxe uma aproximação muito bacana com minha filha.”


Naquele momento, eu percebi que estava fazendo aquilo do jeito certo, do meu jeito, pois tudo era feito na hora, sem programação prévia, sem pensar em nada. Apenas pegava os discos e tocava aquilo que mexia comigo naquele momento. Era como se eu estivesse tecendo uma teia de músicas, ouvintes, que iam se tornando amigos e ficavam gravados nas nossas memórias.

Aquele momento , me deixou muito emocionada e eu só pude agradecer imensamente. Ele foi embora, acho que a filha Juliana estava junto e eu ganhei meu dia.

Mais tarde comentei o episódio com um amigo da Rádio. Ele olhou pra mim e disse: Rose, o Neil Ferreira esteve aqui? Você tá falando sério?

Eu então, olhei nos olhos dele e disse: o NEIL FERREIRA?????? Por acaso será que é o mestre da publicidade, aquele gênio é meu ouvinte????

É isso mesmo? Só depois, é que eu fui me tocar com quem eu tinha aquele contato diário.

Isso só me fez admirar ainda mais aquele cara de alma leve, feliz, que entrou no estúdio naquele dia.

Um homem que em momento algum, usou do nome pra se fazer parecer mais importante que os outros ouvintes. Usou apenas o grande coração pra expressar gratidão por eu proporcionar momentos lindos com a filha adolescente na ida para a escola.

Neil, um estrela que passou e iluminou um dia qualquer na minha vida e se tornou pra sempre uma linda lembrança.

Onde você estiver, obrigada pelo presente que foi te conhecer.
E mais tarde, ver a joia que se tornou a Ju, e poder compartilhar alguns instantes com essa lindeza chamada Eliana.

Obrigada de todo o coração.

Rose Gobbi
Radialista

Regiane Bochichi

“A arte de escrever é o ofício de reescrever.”

08 de abril de 2024

Era assim que Neil se referia a busca da perfeição da palavra correta, do slogan perfeito, da síntese de uma ideia. Se poderia servir como mantra para sua brilhante carreira de redator, não cabe aqui neste texto. A nossa convivência de 25 anos não tem espaço para copidesque. Diria até que nem para vírgulas. Sentia uma urgência tão grande em absorver tudo que vinha dele que não podia me dar esse luxo de soltar o ar e perder alguma coisa. E, claro, em nenhum momento haverá um ponto final que nem sua morte trouxe.

Eu brincava que iria escrever um livro visto que enquanto ele perseguia a síntese, eu me debruçava em dissertações, reflexões, longos parágrafos para dar conta da avalanche de conhecimento que me passava.  O resultado aparece, hoje, no meu senso crítico, na minha curiosidade, na minha incessante vontade de aprender.
Suas palavras eram mais que instrumentos de seu trabalho. Tão pouco vinham só de livros, filmes e exposições que devorava. Elas se formavam dentro de uma alma rica e benevolente e se espalhavam por aí. Serviam tanto para vender cigarros, como para incentivar votos. Para lançar um modelo de carro, como para descrever o seu jardim.

Muitas vezes, devido a nossa diferença de idade, dizia que poderia ser meu pai. Ele foi Pai dos sortudos José Bento e Juliana. Para mim, foi um farol. Quando sua luz chegava, era um banho de conhecimento.

A lealdade e respeito pelo outro foi a base desta amizade perfeita. Não era uma relação de mestre e aprendiz. Sua humildade, não lhe permitia exageros. Um dos maiores publicitários do país buscava mais o diálogo do que a retórica. Preferia andar nas ruas, do que viver no pedestal. Comer balas de jujuba do que dividir uma mesa no La Tambouille, algo frequente na nossa rotina.

O engraçado é que pela primeira vez que nos encontramos pessoalmente foi em um restaurante vegano. Não me recordo o nome, mas o endereço, sim. Na Cônego Eugênio Leite entre a Pinheiros e a Rebouças. Pensa em uma pessoa que não come uma folha, com eu, querendo impressionar e fazer jus a essa oportunidade única. Pois, foi assim a vida toda. Me fazia experimentar, ler, assistir, ouvir músicas que não estavam minimamente no meu radar e que hoje, pilares do meu repertório.

Conheci Neil durante a realização do Jogos Olímpicos, em 1992, em Barcelona. Ainda uma jornalista iniciante, na Rádio Eldorado, tinha como tarefa matinal de fazer a conexão para que ele entrasse no ar e comentasse as provas com um olhar “diferente” de um comentarista esportivo. Antes de sua participação tinha um rápido bom dia com a discussão do tema para que eu pudesseavisar os apresentadores. E depois, quando o jornal acabava, tínhamos, aí, sim, um bate-papo sobre o que havia sido dito, os fatos do dia, e a campanha que estava trabalhando.

Geralmente, deixava os filhos na escola e seguia para o escritório da DPZ, onde trabalhava, na Cidade Jardim. Era um longo caminho da sua casa na Granja Viana onde preferia viver como refúgio ao redor de livros, música e da natureza. Era um homem que se completava em duplas, com sua mulher Eliana, com os dois filhos, com o parceiro de obras-primas, Zaragoza, com o amigo Rabino, comigo. Desde forma, a conexão se tornava mais genuína.

Por anos, depois, já com celular, conversávamos durante a sua caminhada diária. O super publicitário e a pretensiosa jornalista no ritual diário de trocar palavras e impressões. Ele me jogava um haicai e, eu, saia transformando aquilo em praticamente uma bíblia. Uma jovem da periferia de São Paulo que ganhou um prêmio de loteria de intelectualidade e cultura.

Regiane Bochichi

Neil não me explicava o mundo. Ele me abria os caminhos. Nada era raso. Nem as dicas de viagem. Para Paris, que comecei a ir com frequência por sua influência, indicava desde o sabor do sorvete que deveria experimentar na Berthillon, Île Saint Louis, passando pelos trajetos,minuciosamente, detalhados por quais ruas deveria percorrer o Marais e até um quadro específico do Museu d’Orsay: Olympia, de Manet. Só que não era, simplesmente, ir lá ver o quadro que havia chocado Paris por causa da nudez frontal da modelo retratada. Antes, me sugeriu que lesse o livro de Otto Friedrich, que não só falava sobre a obra, mas contextualizava sobre a efervescência da Cidade Luz daquela época. Daí em diante, cada vez que voltei ao d’Orsay, considerei uma visita aos meus “amigos” impressionistas. Entrei para a “turma” que ele me apresentou.

Guardo com carinho tudo que esta amizade me proporcionou. Me contava sobre Woodstock. Tivemos um “gostinho” deste festival histórico e emocionante, ao assistirmos Bob Dylan e osStones, no Ibirapuera em 2012.

Lembro do orgulho quando José Bento, ganhou um concurso de poesia e recebeu o prêmio no Centro Cultural SP.  Quando a Juliana entrou na faculdade, o jornal recebia antes a lista dos aprovados. E fui lá atrás dos editores do Estadão para procurar seu nome e dar a notícia em primeira mão. Andava pelas ruas de SP e reconhecia outdoors de campanhas suas.

Neil me faz falta. Suas análises, seu companheirismo, seu brilhantismo. Tenho curiosidade em saber como reagiria ao cancelamento de Monteiro Lobato que fez dele um leitor contumaz. Mas era um homem sábio e, compreenderia o zeitgeist do que estamos vivendo hoje, onde ao mesmo tempo a intolerância abocanhou metade do país e outra parte que quer se livrar da misoginia, do racismo, da homofobia, da xenofobia e tantos outros preconceitos. Seu apreço pela liberdade, de entender “a dor e a delícia de ser o que é”, funcionava como uma bússola em busca da sensatez e do bom senso. Hoje, ele seria um genial criador de memes J

No casamento de sua filha, celebrado pela Monja Coen em uma manhã de sábado, fui com meu marido, Fortunato, que entendeu imediatamente a conexão que existia entre mim e aquela família.

Quando a doença chegou, Juliana me ligou e imediatamente, fui a São Paulo. Dali, foram algumas outras tantas visitas que fiz ora sozinha, ora com Nato, que me acompanhava em mais uma jornada de ver um câncer consumir pessoas especiais, como aconteceu com meus pais.

Dias antes de morrer tive com ele alguns minutos para o que sabíamos seria uma “despedida”. Nenhuma palavra foi dita. Seguramos as nossas mãos em silêncio, com a certeza, de que aquele laço jamais seria desfeito.

Regiane Bochichi
Jornalista

 

Fabiana Peçanha

Neil,

Uma das pessoas mais incríveis que eu conheci na minha vida e tive o prazer em conviver por mais de uma década. Neil é nível Van Gogh, gênio. Mente brilhante, inquieto, criativo, inteligente, sensível, ácido e muito divertido. Neil, um apaixonado pela Família e pelo São Paulo FC.

Fabiana Peçanha e Neil.

Gostava de caminhar, me chamava de “Personal Torturator” quando o plano era fazer musculação. Nossos exercícios eram sempre repletos de histórias sobre diferentes culturas, músicas, shows, arte, opiniões, política e histórias da sua vida pessoal e profissional e assim foi até o fim.

Obrigada, querido amigo!

Você é eterno.
Let it be.

Com amor,

Fabiana Peçanha
Personal trainer