“Neilzinho querido: volte da reunião celestial pra casa. Tudo está perdoado: até aquela vez que você substituiu o café por glitter na máquina. (Sim, foi você!)”
Ah, se fosse possível trazer o Neilzinho de volta como conseguiu aquele anúncio de duas linhas publicado nos jornais pelo Zaragoza… Até tentei, apelando para Inteligência Artificial. O robô foi ao passado e trouxe a mesma estratégia que seduziu o Neil a voltar para a DPZ. Acrescentou a reunião celestial e o glitter. Não deu certo, até agora.
‑ Plágio! – protestaria Neil.
Enquanto esperava um milagre virtual, fiquei imaginando o Neilzinho armado de Inteligência Artificial. Se ele só com sua mente, sua paixão e sua habilidade para criar já era um fenômeno, como ficaria turbinado por novas e poderosas ferramentas?
—Como? — perguntei ao robô.
Em um milésimo de segundo, a resposta veio escrita na tela do computador: “A verdadeira magia reside na capacidade de conectar-se emocionalmente com o público e criar algo memorável. A criatividade transcende as ferramentas. Ela é atemporal.”
Neil era um gênio que não dominava totalmente o seu laptop. Usava-o como uma simples máquina de escrever. Pedia socorro à mulher (Eliana, a “hippiezinha encantadora” que um dia o entrevistou para a Veja), aos filhos (Juliana e José Bento) e aos amigos para enviar arquivos por e-mail, ou achar os acentos e o cedilha no seu Mac. Quem sabe ele tenha aprendido mais com os anjos em sua reunião celestial. Ou com o próprio Steve Jobs.
Meu oráculo artificial conhecia bem o Neilzinho. Chamou-o de “O Mestre da Propaganda”, já em nossa primeira conversa. Listou sua trajetória, desde “office boy” no Diário da Noite, até a fase final na DPZ. Perguntei-lhe:
— Qual a campanha dele que você mais gostou?
— “Os Subversivos”, respondeu. E a explicou, com o contexto da ditadura militar em 1969. Ainda citou com elogios o leão do Imposto de Renda, a morte do orelhão e o baixinho da Kaiser.
Foi por essa época que nos tornamos “irmãos” – na verdade, “brimos”, ele descendente de sírios, e eu, judeu, os pais da Polônia e Bessarábia. Éramos vizinhos próximos da Praça da República e tínhamos um restaurante em comum, o Arroz de Ouro, no Arouche. Foi nossa fase macrobiótica. No Jornal da Tarde, onde eu trabalhava, o chefe Murilo Felisberto chamava de “neilismo” o bom artigo que, por acaso, eu tivesse escrito. Mas era ironia. E Neil também troçava dele.
Os dois gênios se encontraram na DPZ, tempos depois, em duplas e andares diferentes. Nós três, hipocondríacos, compartilhávamos as novidades que chegavam às farmácias. Um amigo as percorria, perguntando:
‑ Alguma novidade da Bayer?
Moisés Rabinovici por Cyra Moreira.
Muitas vezes fui com amigos à casa de Eliana e Neil, na Granja Viana. Gostosas noitadas, nada macrobióticas. Foi lá que vi o temido e mordaz cronista Telmo Martino dar de presente uma minúscula camiseta do São Paulo Futebol Clube para o filho Zé Bento, que acabava de nascer. Não o imaginava capaz de sair às compras. Mas terá sido ele mesmo? O robô não o confirma nem o desmente; não sabe. Papos sobre livros, vira-latas adotados, cinema, a tartaruga pisada sem querer numa cobertura em SP, e mais o que acontecia no Brasil só eram interrompidos porque as visitas tinham quase 15 quilômetros de volta para a cidade.
Uma vez disse ao Neil que queria ser publicitário por algum tempo. Achava que ele iria me recomendar a um amigo ainda na ativa. Mas não. Ele me dissuadiu, xingou, repetiu “de jeito nenhum”, “não é pra você”, e continuei jornalista, fui convidado a rejuvenescer um jornal octogenário, o Diário do Comércio, e o convidei a escrever crônicas semanais. Lá ele publicou sua indignação com a política e políticos, numa linguagem que nunca o vira usar na propaganda. E ligava para pedir diagramação especial para os textos.
O ex-publicitário e escritor Ricardo Freire entrevistou Neil para uma homenagem publicada no Anuário # 24 do Clube Criação de São Paulo. Chamou-o de “o beatnik cerqueirense (de Cerqueira César) Neil Kerouac Lennon Dylan Jaegger Lobato Mozart Ferreira, que apreciava bem mais a estrada de ferro do que a estação ferroviária”.
Com o sobrenome dos gênios que Neil incorporava, voltei ao meu oráculo, a Inteligência Artificial. Ele escreveu: “Neilzinho, ouça nosso apelo! 📢 Volte daquela reunião celestial com os anjos da criatividade e traga suas ideias geniais de volta para casa. Afinal, o escritório está sem graça sem você. Venha e traga sua caneta mágica e seu sorriso sarcástico. As campanhas estão esperando por você.
Bem-vindo de volta, Neilzinho! 🎉🎈”