07 de novembro de 2018

Neil Ferreira. Não o publicitário, o pai.

Estou escrevendo no dia 07 de Novembro de 2018. Hoje faz um ano que meu pai, Neil Ferreira, descansou, após uma corajosa batalha contra um câncer. Quando meu pai faleceu, eu fiquei surpresa com a quantidade de mensagens e depoimentos de pessoas distantes, ou mesmo que eu não conhecia, sobre suas relações com ele e a importância que ele teve em suas vidas. Obviamente, eu sempre soube da importância do publicitário Neil Ferreira, tanto nacional quanto internacionalmente. Mas sentir isso materializado em condolências e em mensagens de carinho tocou imensamente a mim e minha família. Acho que acabei me acostumando com o Neil Ferreira recluso dos últimos anos de sua vida e me esqueci que ele não era só meu e da minha família, mas do mundo!
E, ao mesmo tempo que recebi com alegria essas mensagens vindas de quase uma outra vida do meu pai, eu percebi que também gostaria de compartilhar o pai Neil Ferreira, um cara que poucos conheceram e com quem poucos conviveram. Queria escrever sobre ele, sobre recordações da minha infância e, sinceramente, não sei se alguém (além da minha mãe) vai se interessar por este texto, mas o fato é que pensar sobre tudo isso e escrever ajuda a aplacar a saudade e eu me sinto mais próxima dele. 

O Neil publicitário é público, notório e bastante conhecido. Muito inteligente, perigosamente atrevido, sarcástico ao extremo. “Pai” do baixinho da Kaiser, da morte do orelhão, do Leão do Imposto de Renda e – meus favoritos – dos cartazes de Natal da Gráfica Repro, além de centenas de outras criações brilhantes. A questão é que esse mesmo humor mordaz estava presente também no papai Neil, mesmo com seus filhos pequenos (em casa não tínhamos Papai Noel, tínhamos Papai Neil!). E isso fez nossa vida (minha e do meu irmão) mais rica, interessante e, às vezes, infernal. Só que eu herdei uma boa parte do gênio do Neil. Não da genialidade. Do gênio mesmo. Imaginem nós dois batendo de frente! Eu tenho uma vívida recordação de uma tenra idade, eu devia ter dois ou três anos no máximo, quando devo ter aprontado demais e irritado meus pais ao extremo. Lembro do meu pai muito bravo, gritando para que eu não abrisse mais a boca. Em uma fração de segundo eu lembro de abrir a boca o máximo que consegui e encará-lo desafiante, sem soltar nenhum som. Lembro do meu pai cair na gargalhada e perder completamente a compostura da bronca, fato esse que ele sempre recontou rindo ao longo dos anos. 

E teve uma vez na qual meu irmão, três anos mais velho do que eu, me falou que eu havia sido encontrada no lixo e adotada pelos meus pais. Fui correndo e chorando falar com meu pai (caramba, lembro com o se fosse hoje) e o Neil, sem alterar a fisionomia me disse: “Viu como a gente queria você? Mesmo toda sujinha e fedida, ainda assim te trouxemos para casa”, e soltou uma gargalhada, daquelas que ele colocava a mão na barriga e ria, ria!

E como eu não era nada fácil quando criança, as oportunidades para bronca e castigos eram muitas. Eu lembro que ficava verdadeiramente impressionada com a minha velocidade de corrida pois meu pai nunca me pegava quando corria pela casa atrás de mim com um chinelo na mão (sério, ele corria mesmo). Foi apenas quando já era adulta que me dei conta que ele nunca quis me pegar. Eu também me achava incrivelmente subversiva quando ele e minha mãe me colocavam de castigo no meu quarto e eu pulava a janela e ia brincar no jardim da chácara em que morávamos. Foi também depois de me tornar adulta que ele me contou que sempre soube que meu irmão e eu fugíamos do castigo. 

Uma outra lembrança que é fortíssima no meu coração foi algo que chegou a me incomodar durante a minha infância. Eu lembro de chegar na escola e a maioria dos meus colegas de 7 e 8 anos estava discutindo a novela do dia anterior. Meus pais nunca nos deixaram assistir a novelas. Ao invés disso, lembro de que muitas vezes após o jantar sentávamos no “buraco” (salinha onde ficava o toca-discos) e meu pai e minha mãe escolhiam LPs entre as centenas da coleção, ouvíamos músicas, eles nos mostravam as letras. Foi assim que eu e meu irmão tivemos um contato muito legal com a língua inglesa e tivemos uma formação musical linda, que vai de Beatles a Rolling Stones, Janis Joplin, The Doors, Johnny Rivers, The Mamas and the Papas, mas também Chico Buarque, Vinícius de Moraes, Tom Jobim, Jorge Ben, entre tantos, tantos, tantos outros. Aliás, tem uma história ótima do meu pai sobre o Johnny Rivers. Eu já era mais velha, estava na faculdade, e o Johnny Rivers veio fazer um show em São Paulo. Meu pai ficou morrendo de medo que ninguém aparecesse no show do velhinho e comprou vários ingressos, distribuiu entre meus amigos e do meu irmão. Mas quando chegamos, meu pai ficou maravilhado quando viu a casa de shows lotada, com uma moçada da minha idade na época, todos cantando junto com o Johnny Rivers, e meu pai rindo do medo que ele teve de que o show ficaria vazio.

Lembro também que uma vez meu irmão e eu éramos bem crianças e meus pais alugaram uma casa em uma praia para passarmos as férias, e a casa não tinha televisão. Quando a gente dizia que queria ver tv, meu pai falava para assistirmos o canal do mar, e ficava na varanda, olhando a vista por um tempão. Na época eu odiava ouvir isso, mas hoje vejo a linda lição que ele estava nos ensinando.
E por trás daquele jeitão dele, existia um enorme, lindo e mole coração (quando ele queria, porque quando não queria, sai de baixo!). Quando eu tinha 6 para 7 anos e meu irmão tinha 10, meus pais nos mandaram em uma maravilhosa viagem para o Pantanal com uma das primeiras (senão a primeira) agências de ecoturismo no Brasil. Essa e as outras viagens que fiz com a Eco estão entre algumas das melhores memórias que eu tenho e certamente ajudaram a moldar meu interesse por Biologia e pela Conservação da Natureza. Mas voltando à viagem – íamos crianças de ônibus de São Paulo ao Mato Grosso, era Julho e fez muito frio na noite da viagem. Meu pai não conseguia dormir pensando nos filhos, se estávamos com frio, se estávamos bem, e questionava como minha mãe, que sempre foi super racional e sabia que não havia nada a fazer, conseguia dormir pesado com os filhos “lá fora, no frio”! Resumo, ele passou a noite em claro e na maior aflição.

E o Neil tinha um jeito às vezes meio ríspido, mas sempre nos ensinou lições que levamos para a minha vida. É vívido na minha memória o dia em que eu disse a ele que queria uma calça da M. Officer, hit total entre as crianças descoladas da 4a série na época. Ele olhou para mim com um olhar penetrante e disse as seguintes palavras, que eu nunca esquecerei: “Eu tenho dinheiro para saúde e educação. Para peruagem eu não tenho”. E nunca mais se falou no assunto. E era a mais pura verdade. Ele e minha mãe sempre se esforçaram muito para nos levar a bons médicos, dentistas e nos colocar em boas escolas, o que ia muito além de só pagar. Envolvia levar por longas horas de trânsito, acompanhar, garantir que tudo estava correndo bem.

Ah, as idas para a escola eram uma curtição. Quando eu passei para a 7a série, acho que equivale ao atual oitavo ano (eu tinha uns 12 anos), eu saí da pequena escola do bairro de casa que eu frequentava e fui para uma escola em São Paulo. Tínhamos que sair cedo todos os dias e pegar a Rodovia Raposo Tavares. Alguns dias da semana eu ia no carro de pais de colegas. Mas quando era a vez de ir com o meu pai, era tão legal! Ele sintonizava na Rádio Eldorado e ouvíamos o Sunrise, com a maravilhosa Rose Oliveira. Ela tocava todas as músicas que meu pai amava (rock and roll do bom!). A música que mais representa essa época para mim é “American Pie” (Don McLean), que meu pai e eu adorávamos. E isso foi bem antes do email ser uma coisa super comum e da internet invadir nossas vidas. Meu pai se divertia mandando mensagens (acho que por fax ou talvez nos primórdios do email, não sei ao certo) para a Rose pedindo músicas, contando que naquele dia eu estava nervosa porque tinha prova disso ou daquilo, e ela dizia boa sorte para mim pelo rádio… Eu nem lembro do trânsito… lembro da proximidade com meu pai, da alegria dele de me levar para a escola, da curtição com as boas músicas… E agora, pensando nisso, quase me arrependo do dia em que, já no cursinho pré-vestibular, eu pedi para que ele não me levasse mais, para eu eu fosse sozinha… Mas eu tinha 18 anos e estava tentando bater minhas asas para fora do ninho…

Meus pais sempre foram muito sérios em tudo que dizia respeito aos estudos e sempre, sempre exigiram que tivéssemos respeito pelos professores e pela escola. Com eles, aprendi esse respeito e apreciei muito meus professores. Lembro com muito carinho da maioria e sei que graças a eles pude trilhar meu caminho. Apenas uma vez vi meu pai e minha mãe enfrentarem a escola em minha defesa. Como eu contei anteriormente, eu saí da escola de bairro para um colégio maior em São Paulo quando eu tinha 12 anos. Fiz a 7a e a 8a séries lá. Tenho algumas boas lembranças (uma professora de história, uma de literatura e um de Geometria que foram fenomenais), mas na maior parte do tempo eu, que antes era uma aluna nerd que só tirava A, tinha muitos problemas, porque a escola era rígida demais e eu estava me tornando uma adolescente desafiadora.

Eu tinha uma turma de amigos e éramos considerados baderneiros (e olha que não éramos os piores da escola). Um dia à tarde, na casa de uma das meninas, pintamos, de brincadeira, os cabelos com papel crepom vermelho. Não preciso dizer que ficamos horrendas, mas foi uma farra. A bagunça resultou em uma suspensão para cada um de nós (3 meninas e um menino). Óbvio que levei a maior bronca em casa, mas depois vim a saber que a suspensão havia sido retirada do meu histórico escolar. Pois não é que meus pais foram ao colégio e disseram para a Coordenadora e para a Diretora que uma pintava o cabelo de loiro e a outra de preto (verdade) e que não havia em lugar nenhum dos documentos da escola a regra escrita de que alunos não poderiam pintar os cabelos (verdade também). Além disso, pintar os cabelos de farra aos 13 anos não fazia de nós revoltados, frequentadores de cemitérios ou adoradores da morte, conforme havia sido dito pela diretora da escola em um discurso para a nossa sala (Juro). Touché. A turma do fundão só disse “vixeeeeeeee”! 

Mas meu pai era bastante rígido, bravo e ciumento comigo. Lembro, também no início da adolescência, dele reclamando quando eu queria ir ao cinema com algum menino, dizendo que eu tinha que entender que ele carregava “cinco mil anos de cultura árabe nos ombros”, referindo-se à sua ascendência Síria por parte de pai. Mas da mesma forma que era bravo, ciumento e controlador, saiu da Granja Viana, em Cotia, para me buscar em baladas em São Paulo no meio da madrugada em tantos sábados, para garantir que eu não perdesse a vida social e a diversão com os amigos do colégio e que voltasse em segurança para casa.

Mas a braveza do meu pai comigo também era justificada. O fato é que eu fui uma adolescente terrível. Dos 13 aos 17 anos, eu não mereci os pais maravilhosos que eu tive. E se teve uma coisa que fez meu pai rir após o diagnóstico de câncer, foi quando eu agradeci de verdade, emocionada e de coração, por ele ter me aguentado e não ter me dado para alguém ou me mandado para um internato, porque se eu fosse meus pais, eu teria. 

Pelo contrário, mesmo com todas as discussões e desentendimentos, ele sempre foi uma rocha de apoio. Quando fui estudar em fora, aos 17 anos, eu não tinha ideia de como funcionava email, nem sei se já existia Skype e essas novas tecnologias. Eu tinha que ligar a cobrar para casa para falar com meus pais. Eu morria de saudades e todos os dias de manhã quando eu chegava na escola, tinha mensagens de fax do meu pai no mural da secretaria. Um colega da Alemanha um dia me disse que gostaria que o pai dele tivesse por ele o mesmo carinho que meu pai tinha por mim. O tempo todo em que fiquei lá, o rapaz nunca recebeu nenhuma mensagem do pai. Os fax do meu pai vinham com piadas e desenhos de gatinhas, porque era assim que meu pai me chamava. 

Meu pai também cobrava bastante. Cobrava boas notas, bom desempenho escolar. Falava que esse era o nosso trabalho. Lembro quando estava na faculdade de Biologia e eu estava fazendo um estágio de iniciação científica em um Laboratório do qual eu gostava bastante do trabalho, mas eu tinha muitos problemas com a professora orientadora e com uma aluna de mestrado. Eu havia sido contemplada com uma bolsa de pesquisa que tinha duração de um ano e aos seis meses de bolsa a situação de convivência havia se tornado insustentável para mim. Fui conversar com meu pai pois eu queria abandonar o estágio, a bolsa e o projeto, já que para mim estava sendo infernal e eu chegava chorando em casa diariamente. Ao invés de me consolar e dizer que a filhinha podia fazer o que quisesse, meu pai falou muito sério que não havia me criado para desistir das coisas pela metade e que eu ia encarar o desafio e terminar o ano de pesquisa. Aquilo foi a morte para mim. Eu não conseguia conceber voltar naquele lugar. E no entanto eu voltei, enfrentei, aguentei, terminei e saí fortalecida desse processo. Não tivesse sido a força e o empurrão do meu pai, eu teria largado. 

Mas apesar desse episódio, o Neil sempre apoiou de forma incondicional todas as minhas escolhas profissionais. Mesmo quando não pareciam as melhores. Mesmo quando parecia que tudo e todos estavam contra. Mesmo quando foi difícil e solitário, ele estava ao meu lado me incentivando. E quando eu comecei a colher os frutos da minha formação, ele sempre foi o meu maior fã e apoiador. E o apoio vinha das mais variadas formas… às vezes era me ouvir chorar e xingar contando sobre algum colega ou professor que tinha se comportado de maneira que eu não achava legal, às vezes era ir ao “escritório” de casa às 2 da manhã para mandar que eu parasse de escrever minha tese de doutorado e fosse dormir, às vezes era achar a maior graça (e dar nomes) no cuidado que eu tinha a cada duas horas com três filhotes de uma gambá que morreu atropelada na rua de casa e que eu peguei para cuidar até crescerem fortes e tomarem os rumos das suas vidinhas…. Às vezes era cuidar com todo amor e carinho do mundo do Lorde Chicão, meu coração em forma de anjo peludo, o melhor cachorro do mundo, que eu peguei da rua a contragosto de todo mundo e que ganhou o coração do meu pai. O Neil cuidava do Chicão para que eu pudesse voar, fosse para fazer trabalho de campo, fosse para ir às conferências TED como primeira TED Fellow e Senior Fellow brasileira, fosse para viajar para Manaus encontrar o dono do meu coração, que morou lá por quase cinco anos. 

Lembro da primeira vez que meu pai viu meu namorado, meu marido hoje. Naquele dia se referiu a ele como “aquele cara”, com uma expressão de pouquíssimos amigos. Mas pudera, ele mal conhecia “o cara” que já tinha viajado três vezes com a filhinha dele. Mas o namorado que conquistou meu coração, não conquistou à toa. Ele era (e ainda é) simplesmente a melhor pessoa do mundo. E cá, entre nós, acho que se meu pai pudesse ter escolhido um companheiro de vida para mim, teria sido exatamente ele. Os anos mostraram ao meu pai a pessoa maravilhosa que o meu marido é. E como naquele velho clichê, meu pai não perdeu uma filha, ganhou um filho. Um baita filhão. Calmo, tranquilo, seguro, carinhoso. Que esteve firme, forte e presente quando todos nós precisávamos. Que passou noites com meu pai no hospital e que foi a minha fortaleza quando eu desmoronei. Que se despediu do meu pai ao som de um lindo clipe com os melhores momentos do São Paulo, que eu sei que meu pai adoraria (vai ver que adorou…). E que junto comigo deu ao Neil a quarta netinha, a Marina, que era muito amiga dele e sem dúvida foi uma fonte de grande alegria e amor para ele nos últimos anos de sua vida. A Marina, com sua doçura de menininha de dois, três anos, desmontava meu pai quando achava o tupperware em que ele escondia com biscoitos na sala de tv, sentava ao lado dele, abria, oferecia para ele e ficavam os dois lá, sentadinhos e cúmplices comendo os biscoitos… E a Marina fez algo que eu nunca imaginei ser possível. Juro que ela fez meu pai dançar Ciranda Cirandinha. E foi a coisa mais engraçada, bonitinha e terna que eu já vi. Foi a Marina que me mostrou o tamanho do amor que é possível sentir por um filho e que me fez entender e valorizar tantas coisas que meu pai fez ou falou ao longo da minha vida. 

Meu pai não era nada, nada, nada fácil. Era uma montanha-russa de emoções. Às vezes era briguento, quase sempre super cabeça dura. Era genioso e temperamental. E estourado. Mas também era amoroso, cuidadoso, interessante, inteligentíssimo, presente, apoiador, provedor, engraçado. Meu pai podia ser tudo, mas nunca foi entediante. E nunca passou em branco pela vida. Sua presença sempre foi marcante, fosse pelo bem ou pelo mal, quando era a criatura mais adorável do mundo, ou quando provocava a todos com comentários controversos sobre política e futebol, só para “causar”, afinal, ele levava futebol tão a sério quanto levava política. Ou será que era ao contrário?!

Eu sinto falta do meu pai quando tenho decisões para tomar, sucessos para comemorar, gracinhas da Marina para contar, tristezas para chorar. Eu sinto falta do meu pai para rir do nosso medo mútuo de avião. Eu sinto falta do meu pai fazendo enormes saladas com verduras, legumes e frutas para que eu jantasse bem, após um dia de trabalho e uma noite de treino forte de natação. Eu sinto falta do meu pai confabulando comigo, tirando onda da cara da minha mãe, fingindo que esqueceu o aniversário dela (todo ano, todo santo ano. E nunca perdia a graça). Eu sinto muita falta de ir com meu pai e com o Lorde Chicão caminhar de manhã cedo, quando ainda estava fresquinho, no parque Cemucam e admirar as lindas flores, o ar puro, a beleza do lugar e a consciência de felicidade plena. Eu tenho tantas memórias legais, interessantes, engraçadas, que sinto que eu poderia encher centenas de páginas e ainda não teria contado tudo que eu queria contar. 

Eu sou formada em Biologia e sempre encarei o “ciclo da vida” com muita naturalidade… Flertei com uma corrente do Budismo durante a adolescência e me lembro da importância dos ciclos de de morte e renascimento para a evolução pessoal. Com meus queridos professores de Yôga aprendi sobre nossa unidade com o Universo. Acompanhei a saúde do meu pai se deteriorar e ainda é vívida a sensação cortante de que ele merecia descansar, já que aquela vida estava ruim demais para ele. Sempre achei que eu encararia a morte, ainda mais quando é um descanso, com muito mais naturalidade. Mas a realidade é que a dor da saudade queima. Sinto falta do meu pai todos os dias. Sei que a vida não estava boa para ele, mas a falta que ele faz aqui enevoa minha racionalidade. Mudei com a sua doença e a sua morte. Mudei ao ver meu pai, que sempre cuidou de tudo e resolveu tudo, precisando de cuidado e auxílio. Sei que todo mundo passa por isso e não me sinto em nada especial, mas mudei com a sua perda. Sinto a força dele em mim, mas sinto o desamparo da saudade do meu paizão, meu suporte, minha proteção, meu amigão. Às vezes chato, às vezes inadequado, quase sempre difícil, mas sempre meu paizão.

Juliana Machado Ferreira